Monday, April 30, 2007

A aurora do socialismo

A Jorge Peixinho (1940-1995) devemos, nunca é demais recordá-lo, o efectivo início de práticas musicais contemporâneas em Portugal. Peixinho foi também um “autor político” em todos os sentidos, do que de gesto político havia no seu confronto com o marasmo e o conservadorismo dominantes até à directa evocação política em numerosas obras suas, como CDE (dó-ré-mi, mas também acrónimo do movimento político oposicionista, Comissão Democrática Eleitoral), Elegia a Amílcar Cabral ou Morrer em Santiago. Quando em 1978, tendo a responsabilidade executiva de produzir o primeiro concerto público de iniciativa da RTP, no Dia Mundial da Música, 1 de Outubro, a realizar no Grande Auditório da Fundação Gulbenkian e com transmissão directa, o qual constava exclusivamente de obras de autores portugueses, da polifonia renascentista ao presente, e tendo já Fernando Lopes-Graça possibilitado para esse concerto a estreia de uma obra, Quatro Peças em Suite, aproximei-me de Jorge Peixinho no sentido de o mesmo ocorrer com ele; sugeri-lhe, uma vez que estava assegurado um trabalho de produção em que Peixinho tantas vezes tinha que gastar as suas energias, a hipótese de A Idade do Ouro, mas ele invocou problemas dos materiais (a obra só seria estreada postumamente) e contrapropôs A Aurora do Socialismo (Madrigale Capriccioso), obra de 1975-76 – e talvez a única composição política erudita directamente dimanada do mais político dos períodos em Portugal, o chamado PREC, Processo Revolucionário em Curso, dominado pelo imediatismo das “intervenções”. Jorge Peixinho foi comunista e a imagem de uma “aurora do socialismo”, herdada do imaginário da Revolução Russa, era parte das suas convicções. No seu empenhamento nunca houve concessões estéticas e Aurora do Socialismo inscreve-se claramente numa trajectória musical, de “Harmónicos” a obras finais como as várias designadas de Glosa e Nocturno. Agora, que o imaginário de uma “aurora do socialismo” perdeu a pertinência histórica mobilizadora que eventualmente podia ter tido, ouvir de novo a obra é um confronto directo com a memória do 25 de Abril.

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